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Tribuna: A altivez que de todos se espera e que do Ministério Público se exige!

Tribuna: A altivez que de todos se espera e que do Ministério Público se exige!
Por Rodrigo dos Reis, Oficial do Ministério Público
Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar. (Bertolt Brecht, Nada é impossível de mudar)

O filósofo inglês John Locke, em sua obra intitulada Dois Tratados do Governo Civil, estimulou os homens e a sociedade a bravejarem-se contra quaisquer atentados, sempre que fossem levianos ou maldosos e dirigissem planos contra a liberdade humana.

O existencialista Jean Paul Sartre entendia a liberdade como fenômeno intrínseco à natureza do homem, ser existencial e gregário que se forja no cotidiano, na experiência e na alteridade.

Nem poderia ser diferente, vez que a liberdade, bem mais precioso do sujeito, é condição intransponível do homem, dela não podendo esquivar-se, pois está condenado a ser livre, portanto, abrir mão desta condição significa renunciar à existência, à vida.
E isso é inaceitável!

Não há nada, absolutamente nada, nem mesmo o Direito—não por acaso o descumprimento da norma implica sanção como forma de coação —, que obrigue o homem, livre e consciente, a agir dessa ou daquela maneira, à exceção do indivíduo que faz do seu agir humano um verdadeiro “código de condutas” cujo axioma é o respeito aos seus semelhantes, aos valores e à moral humanos.

A liberdade exige altivez, altivez para ser livre, e para ser livre é necessário respeito, admiração, diálogo, compreensão, valorização, altruísmo, compaixão, empatia e resiliência, isso porque existir exige que saibamos lidar com situações adversas, pressões, obstáculos e problemas que o processo de existir a todos impõe, inclusive aos integrantes do Ministério Público, e isso independe do adjetivo “membros” ou “servidores”, sob pena de sucumbir a finalidade institucional e os valores mais caros ao grupo.

E, uma vez vergados esses princípios e ideais, não mais se pode falar em missão constitucional, mas sim em violência estrutural e simbólica, isto é, de opressor e oprimido, situação na qual os mais fortes impõem suas vontades, baseados não na admiração e em regras estabelecidas e que repousam no consentimento geral, mas sim na coação.

Carlos Sussekind de Mendonça (apud GARCIA, E., 2017) diz que “há cargos que representam, por si sós, um prêmio e que não pedem dos que o ganham mais que o cuidado fácil de guardá-los. O Ministério Público, entretanto, se afasta interinamente destes casos. Qualquer dos seus lugares é um posto de sacrifícios, de conquistas diárias à opinião, de disputa sem trégua contra a malícia da advocacia, contra as reservas dos juízes, contra a ambição naturalíssima de seus próprios colegas. Nenhuma das funções judiciais é tão sujeita às críticas da imprensa, tão exposta aos embates dos interessados, tão acessível às explosões legítimas das partes ou de seus procuradores. Se o ocupante é digno do cargo, se está à altura de exercê-lo, moral e intelectualmente, não sabemos da ensancha mais propícia aos surtos rápidos no foro. Se não o é, porém, sucumbe, arreia, cai por força - e cai do pior modo, aos poucos, dia a dia.”

Com efeito.

O cuidado e o respeito com os valores mais caros à humanidade, à sociedade e à instituição é condição sine qua non a qualquer integrante do Ministério Público.

Logo, que tenhamos a inteligência e a capacidade de superar e compreender os infortúnios e as divergências, inclusive na infelicidade da derrota, fins de retomar o caminho do diálogo, do bem comum e a luta por um mundo e uma instituição mais justos, iguais e solidários, dos quais todos nós nos sintamos pertencentes.

Não há outra maneira e é certo, rigorosamente certo, que deve ser assim, porque tal premissa decorre do étimo comum e da natureza do homem, como animal político que é.

Feitas tais considerações, repisa-se que a luta por direitos, reconhecimento, valorização e por uma instituição mais humana e horizontal não pode ser compreendida como quebra da hierarquia, como desobediência e afronta ao status quo e ao establishment, isso porque trata-se do exercício político, natural, legítimo e fundamental de um direito constitucional pétreo, cuja tutela também está a cargo do Ministério Público Brasileiro, do qual todos nós, membros e servidores, fazemos parte.

E isso não é só, e isso não é pouco, e isso por si só se basta e se justifica, porque contém em si fragmentos da razão de ser e existir do Estado Democrático de Direito, alicerçado no que nós, guardiões da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, conhecemos por Constituição Federal.

Que tenhamos coragem e que sejamos mais resilientes, fraternos e humanos, sobretudo em tempos, como disse Bertolt Brecht, em que torna-se vital defender o óbvio.

REFERÊNCIAS:

ARISTÓTELES. La politique. Tradução de J. Tricot. Paris: Vrin, 1982.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.
GARCIA, E. Ministério Público: Organização, atribuição e regime jurídico. 6º ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. (Tradução de Júlio Fischer, introdução de Peter Laslett). São Paulo: Martins Fontes, 1998.
SARTRE, J.P. O existencialismo é um humanismo. Tradução: Vergílio Ferreira. São Paulo: Abril S.A., 1973.