Por Andrieli Pizetta, Assessora na Promotoria de Justiça de Catuípe
Já faz algum tempo que assisti à série MAID. Aventurei-me no cotidiano de Alex muito antes de ela se tornar o assunto mais comentado do momento. Já faz algum tempo, ainda, que me flagro pensando na riqueza da discussão trazida em seu bojo, talvez despercebida por muitos. E, hoje, compartilho com vocês as inquietudes que a série me trouxe.
Para quem não assistiu, vai um alerta de spoiler. MAID traz a saga incansável de uma jovem mãe (Alex), presa a um relacionamento abusivo. As idas e vindas e a jornada dessa mãe com sua filha (Maddy), 03 anos de idade, em busca da liberdade e de uma nova vida. A trama tem, ainda, Sean (companheiro de Alex e pai de Maddy), Paula (mãe de Alex), Hank (pai de Alex) e Regina (patroa e amiga), dentre outros personagens.
A série vem recheada com incontáveis gatilhos emocionais da vida adulta (no meu caso, em razão da minha experiência profissional), além de escancarar a dura experiência da violência psicológica sofrida pela personagem. A reflexão perpassa pela infância de Alex, quando já vivenciava a violência doméstica sofrida por sua genitora, alertando-nos acerca do cuidado que devemos ter com nossos pequenos e com as relações que estabelecemos. A bagagem emocional que a protagonista carrega é “quase incompatível” com sua juventude, dada sua origem remontar à primeira infância. E essa bagagem impacta diretamente na relação afetiva que a protagonista estabelece com seu companheiro, Sean, bem como na dificuldade em rompê-la. Eis a primeira inquietude: como estamos cuidando das nossas crianças?! E daquelas que não são “nossas”, propriamente ditas?! De que forma olhamos para as crianças marginalizadas pela nossa sociedade? Que amparo alcançamos àquelas que, como Maddy, são frutos de relacionamentos abusivos? Como as vemos e ouvimos?
A trama escancara as dificuldades financeiras sofridas (situação bastante corriqueira entre as mulheres vítimas de violência doméstica) e o imprescindível papel do Estado, mediante programas sociais próprios voltados a esse público específico. Alex vive nos Estados Unidos e, infelizmente, teria uma realidade ainda mais dura no Brasil. Já contamos com programas específicos para as mulheres vítimas, mas ainda há muito que se caminhar. Aqui trago outra inquietude: quantas vezes fechamos as portas para mulheres na situação de Alex? Quantas vezes estendemos a mão às Alexs que rotineiramente encontramos? E na política: depositamos nosso voto com profundo conhecimento da política pública que aquele candidato pretende entregar? Fiscalizamos as ações dos nossos representantes políticos (quer no Executivo, quer no Legislativo)?
Outro aspecto que chama atenção, apesar de ser velho conhecido de todos, é que: os filhos pertencem às suas mães. Não há romantismo nesse ditado popular. Há, apenas, o retrato de uma sociedade patriarcal que sobrecarrega as mães de maneira desmedida. É assim em MAID. Alex vai de um lugar a outro com a filha “embaixo do braço”. Dorme na estação da balsa, no chão. E quando nada parece dar certo, Alex é esteio e único amparo de Maddy. Toda a esperança de um futuro digno para Maddy depende exclusivamente de sua genitora, Alex. Esse é outro ponto de agitação na minha alma: até quando exigimos das mães protagonismo com relação aos filhos sem estender tal aos genitores? Até quando nossa sociedade vai tratar com normalidade pais que assumem uma postura - quiçá – secundária no trato com os filhos? Por que os critérios de julgamento são tão distintos ao valorar um “bom pai” ou uma “boa mãe”?
Além dessas questões já suscitadas, o enredo torna incontroverso o efeito nefasto das drogas – álcool, no caso – nas relações familiares, afetivas e profissionais, deixando o alerta aceso de que precisamos conversar sobre isso com nossos adolescentes, na escola e em casa.
E, finalmente, mas não menos importante (obviamente), a dificuldade na identificação e caracterização da violência psicológica contra a mulher em âmbito doméstico e familiar. Alex, por diversas vezes, é desacreditado. E, quando escancarada a violência sofrida, é aconselhada por seu pai a nada fazer. A violência psicológica é “aceita como normal”. A própria personagem protagonista, ao buscar o serviço de amparo às mulheres vítimas de violência doméstica chega a negar ter sofrido uma, pois não tinha sido agredida fisicamente. Ora bem, a previsão normativa da violência psicológica é absolutamente nova no ordenamento jurídico brasileiro. Necessitamos, ainda, de muito debate, não apenas na esfera acadêmica, mas nas ruas, nas escolas, nos bares sobre esses comportamentos que não são aceitáveis. Aqui, finalmente, trago a última inquietude (do texto, e não da alma): como estamos educando nossas crianças? Nós, mães e pais de meninos e meninas, estamos ensinando os nossos filhos a se relacionarem com respeito ao outro? Precisamos romper com a cultura que trata com normalidade o abuso e a violência psicológica nas relações.
Enfim, encerro aqui com muito mais a dizer do que me permite o espaço. Deixo outras questões a te provocar: que leitura fazes do comportamento do pai e da mãe de Alex? Será que a sociedade permite uma segunda chance da mesma forma para ambos? Abusador e vítima são recebidos da mesma forma pela sociedade? E nós, o que estamos fazendo pelas vítimas de violência? Fica a reflexão para um novo ano que se inicia. Podemos fazer mais!