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O retorno ao trabalho

O retorno ao trabalho
Por Silvia Generali da Costa, psicóloga e assessora em saúde do SIMPE-RS

No dia em que foi divulgado o Provimento n° 13/2020, que dispõe sobre o funcionamento do expediente presencial no Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, nos parece apropriado refletir sobre o retorno ao trabalho.

Há diversos aspectos que interferem na decisão, no desejo, nos resultados e na ética do retorno ao trabalho presencial. Certa de que não há evidências científicas de que o retorno seja seguro, o que o torna desde já indesejável, me atenho a pensar sobre a relação dos indivíduos com seus trabalhos e com suas organizações, antes e depois do COVID-19.

O afastamento, ainda que involuntário, nos obriga a refletir sobre a organização do trabalho, o conteúdo do cargo, e nossas realidades, expectativas e dificuldades. Retornar para um trabalho que causa sofrimento, que carece de significado, que deprime, pode potencializar a angústia da volta, tornando até mesmo os dias de quarentena mais penosos. Será uma espera, sem prazo determinado, para o confronto com a situação conflitante – possivelmente mais agravada.

Talvez aqueles que se realizam com suas tarefas, que se sentem valorizados e desenvolvem seu potencial criativo e intelectual anseiem pelo retorno, assim como aqueles que se sentem abandonando seus clientes, colegas, alunos, pacientes ou seja quem for que dependa deles.

Os que centram sua vida social no ambiente de trabalho poderão se sentir muito mais sós do que aqueles que trabalham de forma isolada ou os que mantêm diversos círculos de amizade fora do trabalho.

Este é o ponto que proponho hoje à reflexão: o servidor ou funcionário que retorna ao trabalho não é mais o mesmo que se afastou. Ele repensou seu lugar no mundo e na instituição.

Lado a lado com sua relação individual com o trabalho, haverá uma sensação coletiva de como o grupo se sentiu amparado (ou desamparado) pelo empregador. A instituição cuidou de nós? Nos forneceu EPIs? Manteve os salários em dia? Nos dispensou de trabalhos não essenciais presencialmente? Permitiu que os grupos de risco se afastassem?

Assistimos diariamente a casos de humilhação, como o dos funcionários em Campina Grande, que tiveram de se ajoelhar em frente a lojas fechadas no intuito de pressionar o governo para a abertura do comércio; casos de vidas colocadas em risco, como as vidas dos funcionários da saúde de São Paulo que compram EPIs com seu próprio dinheiro porque a instituição não os oferece em quantidade suficiente; o caso de profissionais do grupo de risco obrigados a trabalhar, como a empregada doméstica do Rio de Janeiro que faleceu de Coronavirus transmitido pela sua empregadora, que havia voltado recentemente da Itália; e a triste situação das diaristas que são dispensadas sem salário.

Há também o oposto: a organização que cuida, acima de tudo, da saúde dos seus colaboradores.

Nenhuma instituição pode se enganar. No mundo pós coronavírus, cada pessoa pensará mais na família, na saúde, nos amigos, naquilo que é de fato essencial, e no que pode ser descartado. Repensará suas atitudes e a dos outros, sua forma de reagir às circunstâncias e sua forma de levar a vida e o trabalho. Os gestores contarão com equipes transformadas no retorno. Estarão preparados para lidar com elas?