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Crônica: A Caixinha Misteriosa do MasterChef Brasil

Crônica: A Caixinha Misteriosa do MasterChef Brasil
Por Silvia Generali da Costa, psicóloga e assessora em saúde do SIMPE-RS

Num dia desses de isolamento sanitário, eu estava assistindo a um episódio de MasterChef Brasil, exibido pela Rede Bandeirantes. Quarentena tem dessas coisas, temos tempo e disposição para atividades fora do habitual.

Como muitos talvez saibam, no MasterChef os cozinheiros passam por uma série de provas através das quais vão sendo aprovados ou eliminados, até que é escolhido o vencedor. Uma das provas é O Desafio da Caixa Misteriosa que, segundo Ana Paula Padrão, é uma das tarefas mais complicadas, aguardadas, desejadas e desafiadoras.

Os participantes, como o nome sugere, recebem uma caixa com uma série de ingredientes culinários escolhidos pelos organizadores da competição e têm de preparar um prato utilizando todos os elementos, ou apenas alguns, mas no mínimo quatro deles. O maior desafio está em entrar em uma cozinha profissional sem que se tenha a mínima ideia do que se vai cozinhar. No MasterChef apresentado na televisão há tempo determinado para a tarefa, mas há um desafio de Ana Paula pelo Youtube sem contagem regressiva.

Pois mesmo sem saber fazer muito mais do que alguns pratos tradicionais, talvez sejamos todos como competidores do MasterChef. O que é a súbita quarentena senão a entrada em um desafio no qual desconhecemos insumos, receitas e prazos? E mesmo assim não podemos ficar estáticos, esperando sabe Deus pelo quê?

Quando fomos lançados à caverna do isolamento, temerosos do contágio pelo Coronavírus, pensávamos em conviver com o previamente acumulado. Em nossas mentes, não seria possível coletar mais objetos, amealhar mais recursos nem fazer novos amigos e experiências sociais. Mas eis que descobri que em cada casa há uma Caixa Misteriosa. Na embalagem, uma advertência: “Cuidado ao abrir. Contém coisas boas e coisas que você pode não gostar. Contém coisas muito conhecidas e coisas inimagináveis. É preciso tempo e concentração para abrir a caixa. É preciso o isolamento”.

Como nunca havíamos visto aquele objeto dentro de nossas casas? Talvez na pressa do dia a dia e no excesso de estímulos visuais e auditivos quase tropeçamos nela e nem percebemos. Eu abri a minha caixa devagar, para saborear as coisas boas e criar coragem para as desagradáveis. Encontrei, conforme advertida, coisas inimagináveis, como o medo de contágio e a consciência da presença de seres invisíveis e letais sobre os quais nunca perdi muito tempo me preocupando. Esbarrei num pacotinho de dificuldades, tão embrulhado quanto eu quando tento me apropriar de todas as tecnologias de comunicação disponíveis. Lá no fundo da caixa, um pacote escuro e feio, cheio de medos. Medo da doença, da morte, da perda de entes queridos, da solidão, do futuro. Tive de abrir este pacote e encará-lo porque este é o tipo de objeto que não nos deixa ignorar sua existência. Ele sempre se apresenta. Num outro canto, um pote colorido, que continha criatividade, ideias e um prazer enorme associado a elas. Espalhados pela caixa, vários pacotinhos vermelhos, em formato de coração, afetos que pensei que jamais encontraria em versão virtual. Finalmente, um chapéu mágico de aprendizagem online, com acesso a milhares de cursos gratuitos.

Assim como no MasterChef, podemos utilizar todos os elementos ou apenas alguns, mas a caixa está lá, completa e paciente.

Nosso desafio não tem prazo definido, o que nos traz a ansiedade de querer conhecer todo o conteúdo da caixa no mesmo dia ou a procrastinação daqueles que sabem que têm tempo sobrando, ou as duas coisas alternadas.

Não vale virar as costas para o mistério sob a justificativa de não querer ser o vencedor. No MasterChef do isolamento social não há vencedores, há sobreviventes que sairão da caverna munidos de elementos que irão compor as lentes para o novo (ou velho) mundo pós-isolamento.

Você já abriu a sua Caixa Misteriosa?