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Artigo: A responsabilidade da administração pelos efeitos da flexibilização do isolamento no MPRS

Artigo: A responsabilidade da administração pelos efeitos da flexibilização do isolamento no MPRS
Por Jéfferson Alves e Karine Matos, advogados da assessoria jurídica do SIMPE-RS

Em 15 de abril, o Comitê Interno para Acompanhamento da Evolução da Pandemia por Coronavírus da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) divulgou uma nota expondo um comparativo entre os números reais de infectados no Estado do Rio Grande do Sul e os números oficialmente apresentados pelo Poder Público. A primeira fase do estudo, realizada entre 11 e 13 de abril, concluiu que o número de infectados era sete vezes maior do que o notificado e que pelo menos 5.650 pessoas continham os anticorpos – isto é, que já tiveram contato com a Covid-19 – no estado. Já a segunda fase, realizada entre 25 e 27 de abril, publicada na manhã de ontem, informa que mais de 15.066 pessoas já tiveram contato com o vírus e podem ser potenciais transmissores no próximo período, ainda que na maioria assintomáticos. Com base nesses resultados, é possível estimar que, para cada 1 milhão de habitantes do Rio Grande do Sul, existam pelo menos 1,3 mil infectados, dos quais, contudo, tão somente 108 foram notificados. Assim, para cada notificado, de fato existem até 12 não notificados.

Na tarde de ontem, a Secretaria da Saúde do RS divulgou o número de 1.368 pessoas contaminadas e 50 mortes. Levando em consideração que esse número seja 12 vezes maior, como demonstram os pesquisadores da UFPel, e levando em consideração que nesta quinta-feira o governador Eduardo Leite apresentará um plano para reabrir a economia do estado, classificando regiões de alto e baixo risco, o sistema público de saúde deve colapsar em poucos dias, como já aconteceu com os Estados do Amazonas e do Ceará.

No âmbito nacional, já apresentamos a pior situação do mundo, com número de casos em provável crescimento nos próximos dias. Segundo a projeção elaborada pelo Imperial College de Londres, o total de mortes pela covid-19 no Brasil pode chegar a 9,7 mil até o próximo domingo. Cumpre ressaltar que essas projeções são feitas com base no número de casos registrados oficialmente, sendo que o Brasil é também recordista em subnotificações, com estimativas que o número real de casos no país pode ser até 15 vezes maior e com potencial de superar seu dobro em virtude da falta de testes massivos.
Nesse cenário, uma vez implementada a política de flexibilização para o serviço público, é imprescindível o reconhecimento da responsabilidade do Estado frente aos eventuais casos de contágio envolvendo servidores públicos em exercício de suas atividades funcionais. A responsabilização neste caso prescindirá de comprovação do animus por parte do Poder Público, uma vez que a Constituição Federal de 1988 prevê expressamente que o Estado será responsável pelos atos ou omissões de seus agentes, de qualquer nível hierárquico, independentemente de terem agido ou não dentro de suas competências – art. 37, §6º, CF –, em observância à obrigação de priorizar o bem-estar e saúde de seus empregados. A forçada retomada das atividades, que coloca a própria vida do servidor em risco e o torna um possível vetor de disseminação do vírus, é nexo causal suficiente para configurar a responsabilidade estatal.

A análise da conjuntura exige muita cautela. Entende-se que as medidas de prevenção devem ser mantidas até que o Poder Público tenha total controle sobre a pandemia, haja vista que, como demonstram os estudos científicos, a subnotificação dos casos de contágio pelo COVID-19 torna temerosa qualquer medida que vise minimizar a política contra contaminação ou a propagação do vírus, pois tem o efeito de retorno à normalidade, quando, na verdade, o vírus está aproximando-se do pico no Estado.

Nesse sentido, como bem ilustrou o Procurador-Geral de Justiça Fabiano Dallazen na fundamentação da ADI nº 70084133073: "Como se percebe, o princípio da precaução determina que, em um ambiente de incerteza científica, os riscos sanitários devem ser considerados em sua potencialidade mais intensa, de modo que as medidas a serem tomadas com antecedência para impedir ou reduzir o impacto de sua ocorrência efetiva devem corresponder a esse cenário mais grave. Aliás, é exatamente essa a linha que vem sendo adotado no Brasil, e em grande parte do mundo, para combater o coronavírus."
Comparativo das duas etapas aponta crescimento no número de casos no RS – Foto: Reprodução