FENAMP e ANSEMP analisam as propostas legislativas apresentadas pelo Grupo de Trabalho da Câmara e alertam para o desmonte do serviço público, a precarização das relações de trabalho e o fim de direitos consolidados.
O Grupo de Trabalho (GT) da Reforma Administrativa na Câmara dos Deputados concluiu seu relatório final, apresentando um pacote legislativo composto por uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), um Projeto de Lei Complementar (PLP) e um Projeto de Lei (PL). O discurso central da proposta é a "extinção de privilégios" no serviço público. No entanto, uma análise atenta dos textos revela uma perigosa distorção: para supostamente atingir uma minoria, a reforma propõe a retirada de direitos históricos e a precarização das carreiras da grande maioria dos servidores, que estão longe de ser privilegiados.
A FENAMP e a ANSEMP alertam que a proposta cria uma falsa simetria, usando a exceção dos chamados "supersalários" — problema que deveria ser tratado com medidas específicas e fiscalização — como pretexto para promover um desmonte generalizado. Na prática, a reforma não se concentra em privilégios, mas sim em direitos consolidados de toda a categoria, como a estabilidade e planos de carreira. As entidades conclamam a categoria a se mobilizar contra um projeto que enfraquece o serviço público, achata direitos e cria um ambiente de insegurança para todos.
A seguir, destacamos os pontos mais críticos que ameaçam diretamente a sua carreira e o futuro do serviço público brasileiro:
Estabilidade ameaçada e novas condições de trabalho
Embora a estabilidade seja mantida formalmente, a proposta cria mecanismos que a fragilizam na prática, como avaliações mais rigorosas e um estágio probatório mais longo e punitivo.
- Demissão por desempenho: Lei específica de cada ente federativo definirá como a avaliação periódica de desempenho será utilizada para a perda do cargo por insuficiência de desempenho.
- Suspensão do estágio probatório: O exercício de cargo em comissão ou função de confiança suspende a contagem do prazo do estágio probatório, que só é retomado após o retorno às funções originais.
- Teletrabalho limitado e oneroso: A proposta impõe regras duras para o trabalho remoto. A norma geral será o cumprimento de pelo menos 80% da carga horária em regime presencial. É vedado ao servidor residir em município diferente de sua lotação, e o custeio de toda a estrutura necessária para o trabalho remoto ficará a cargo do próprio servidor. Trata-se de um retrocesso que impõe ônus financeiro e retira a autonomia e qualidade de vida dos trabalhadores.
Institucionalização da precarização
A proposta amplia e flexibiliza a contratação de agentes temporários, criando um vínculo de trabalho frágil e sem as garantias do servidor efetivo, o que representa um grave risco de substituição da força de trabalho concursada.
- Hipóteses de contratação ampliadas: Além de emergências, será possível contratar temporários quando o preenchimento de cargo efetivo for considerado "inviável", com base em critérios vagos como transitoriedade da função ou rotatividade.
- Vínculo precário e sem direitos: O texto é explícito ao afirmar que os agentes temporários não possuem estabilidade nem os direitos dos servidores efetivos. O contrato pode ser extinto por desempenho insatisfatório, tem prazo máximo de cinco anos e é vedada a recontratação para o mesmo serviço antes de 24 meses.
Carreiras desvalorizadas
As novas regras para estruturação de carreiras e remuneração tornam o avanço profissional mais longo e dificultam o alcance de salários mais altos, desestimulando a atração e retenção de talentos.
- Progressão condicionada ao mérito: A progressão deixa de ser automática e passa a depender da combinação de mérito e tempo de serviço, com o mérito sendo avaliado por critérios como desempenho, capacitação e titulação.
- Carreiras mais longas e salários iniciais menores: As carreiras deverão ter, no mínimo, 20 níveis de progressão, e a remuneração inicial não poderá ser superior a 50% do valor do último nível. Na prática, isso significa um achatamento salarial na entrada e uma progressão muito mais lenta ao longo da vida funcional, tornando as carreiras públicas menos atrativas.
- Tabela remuneratória única: Em até dez anos, cada ente federativo deverá adotar uma tabela remuneratória única para todos os cargos, o que pode levar a um nivelamento salarial por baixo.
O fim de direitos históricos
O Pacote propõe a vedação explícita de uma série de direitos e vantagens que hoje integram a remuneração e a carreira dos servidores públicos, representando um grave retrocesso. Entre as proibições, destacam-se:
- Proibição da conversão em pecúnia: Veda-se a conversão de férias, folgas ou licenças não usufruídas em dinheiro.
- Fim de aumentos retroativos: Fica proibido o aumento de remuneração ou de parcelas indenizatórias com efeitos retroativos.
- Progressão exclusivamente por tempo de serviço: É vedada a progressão ou promoção na carreira baseada apenas no tempo de serviço.
- Fim dos adicionais por tempo de serviço: Fica proibida a concessão de adicionais com base exclusivamente no tempo de serviço, independentemente da denominação.
- Extinção da licença-prêmio: A proposta veda a concessão de licença-prêmio, licença-assiduidade ou qualquer vantagem semelhante, ressalvando apenas a licença para capacitação.
Ambiente fértil para o assédio moral
Apesar de a proposta legislativa dedicar um capítulo inteiro à garantia de um "meio ambiente de trabalho saudável, seguro, inclusivo e respeitoso", definindo como infrações graves o assédio moral e sexual, outros mecanismos previstos podem, paradoxalmente, aumentar a vulnerabilidade dos servidores e criar um terreno fértil para a prática de perseguições e assédio.
A nova estrutura de gestão, focada em metas individuais e avaliações de desempenho com forte poder discricionário da chefia, cria uma perigosa concentração de poder que pode ser usada como instrumento de coação.
- Poder concentrado na chefia imediata: O novo modelo de gestão por resultados confere um poder desproporcional à chefia imediata. É ela quem elabora o plano de avaliação de desempenho de cada servidor, define as metas individuais e conduz a avaliação periódica anual. Como essa avaliação é o instrumento que definirá a progressão na carreira, o recebimento de bônus e até a preferência para o teletrabalho, o servidor fica em uma posição de extrema dependência e vulnerabilidade em relação ao seu superior.
- Subjetividade nos critérios de avaliação: Embora os textos mencionem critérios objetivos, a prática abre brechas para a subjetividade. Durante o estágio probatório, por exemplo, serão avaliados itens como "disciplina" e "relacionamento interpessoal". Um servidor que questione ordens ou se posicione de forma crítica pode facilmente ser mal avaliado nesses quesitos, caracterizando perseguição. A proposta tenta mitigar isso ao vedar que a avaliação seja feita integralmente apenas pela chefia imediata ou ao exigir uma comissão caso a chefia seja exclusivamente comissionada, mas a influência do superior direto continua sendo determinante.
- Cultura de competição predatória: A instituição do bônus de resultado, atrelado ao cumprimento de metas individuais e institucionais, pode estimular uma cultura de competição predatória. A pressão por resultados e a disputa por bonificações podem levar a um ambiente de trabalho tóxico, com chefias pressionando equipes de forma abusiva.
- Vulnerabilidade máxima dos temporários: Os agentes públicos temporários são o elo mais fraco e, portanto, as vítimas em potencial mais expostas. Sem estabilidade e com direitos mínimos, eles podem ter seu contrato extinto a qualquer momento por uma "avaliação de desempenho que considere não recomendável a permanência do vínculo". Essa insegurança extrema inibe qualquer tipo de denúncia de assédio, pois a retaliação pode ser imediata: a simples não renovação ou a rescisão antecipada do contrato.
Risco à população
As mudanças não afetam apenas os servidores, mas também a capacidade do Estado de prestar serviços de qualidade à população, seja pela dificuldade de contratar pessoal, seja pela restrição de recursos.
- "Apagão" de mão de obra: A abertura de concursos públicos se torna um processo extremamente burocrático. Será exigido um estudo técnico detalhado que analise alternativas como realocação de pessoal, uso de tecnologia e, inclusive, a "execução indireta de serviços auxiliares" (terceirização), antes de se autorizar um novo certame. Isso pode retardar a reposição de quadros e levar à sobrecarga e ao sucateamento dos órgãos.
- Asfixia orçamentária: A proposta estabelece novos e rigorosos limites para o crescimento das despesas primárias de estados e municípios, atrelando-os à inflação e a um percentual do crescimento da receita. Isso pode restringir o investimento em áreas essenciais como saúde, educação e segurança, comprometendo a oferta de serviços à população.
- Extinção de cargos: A proposta autoriza a extinção de cargos públicos considerados desnecessários, o que, somado à terceirização, abre caminho para um enxugamento da máquina pública em detrimento da qualidade e universalidade dos serviços.
Mobilização é a resposta
As propostas apresentadas pelo GT da Reforma Administrativa representam uma ameaça existencial ao serviço público que conhecemos: um serviço profissional, estável e voltado para o cidadão. A FENAMP e a ANSEMP não aceitarão passivamente a retirada de direitos e a precarização do trabalho.
É preciso que a categoria se mantenha informada por meio de nossos canais oficiais, participem dos debates e se unam às mobilizações que serão convocadas. A luta em defesa de nossos direitos, de nossas carreiras e de um serviço público de qualidade para a sociedade está apenas começando.
Já estamos promovendo uma ampla campanha nas redes sociais contra o “Pacote do Retrocesso” e conclamamos todos os servidores do Ministério Público e do serviço público em geral a participarem compartilhando e difundindo a farsa dessa reforma.
Juntos, somos mais fortes!