O SIMPE-RS manifesta seu apoio à juíza Valdete Souto Severo, do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. A magistrada foi intimada pelo corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, a prestar esclarecimentos a respeito de artigo publicado no site "Democracia e Mundo do Trabalho em Debate", no último dia 20 de julho. No texto, intitulado “ Por que é possível falar em política genocida no Brasil de 2020? ”, a juíza discute um processo histórico de políticas públicas que foram naturalizando a morte de determinados grupos sociais, como os de pessoas pobres, negras, habitantes das periferias dos grandes centros urbanos, entre outros.
Valdete Souto Severo é doutora em Direito do Trabalho pela USP e também preside a Associação Juízes para a Democracia e é diretora e professora da FEMARGS – Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do RS. A juíza, que sempre atuou de forma consistente e orientada pela constituição e pelos direitos do trabalho no Brasil, agora é perseguida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por manifestar-se e, de forma embasada e democrática, realizar uma análise absolutamente pertinente e necessária em momento onde mais 87 mil vidas já foram perdidas para uma doença que avança pela omissão do Estado brasileiro.
Em seu artigo, a magistrada discute o processo histórico de genocídio ou necropolítica do capitalismo e as suas raízes no Brasil: “O que hoje chamamos de necropolítica ou de política genocida é, portanto, o aprofundamento de algo que sempre esteve presente: a dominação, opressão e exploração. Agora, porém, o exercício da dominação não tem como efeito apenas permitir que alguns vivam o luxo construído a partir da miséria de muitos. Agora, a dominação é exercida para eliminar pessoas de modo sistemático. Eliminar porque o capital já aprendeu a se reproduzir sozinho; porque a terra está ficando pequena para tanta gente; porque já se esgotaram as possibilidades de colonização predatória; porque há também esgotamento de alguns recursos naturais; porque não há como produzir igualdade e inclusão em um sistema que se funda na concorrência e na acumulação. Portanto, as pessoas que até então, dentro da lógica do capital, eram exploradas, mas ao mesmo tempo tinham “permissão” para seguir vivendo, porque úteis ao sistema, agora são alvo de políticas públicas orientadas a fazer-lhes morrer”.
E esse processo, como analisa, se aprofunda em no contexto da crise que vivemos em razão da pandemia do novo coronavírus: “Eis porque é possível falar de uma política genocida no Brasil hoje. O governo segue, em meio à pandemia, não apenas editando regras que concretamente pioram a vida das pessoas, impedindo-as, em alguns casos, de continuar vivendo, como também deliberadamente deixando de aplicar recursos de que dispõe, no combate à pandemia”.
Para o corregedor nacional de Justiça, a análise de Valdete pode “caracterizar conduta que infringe os deveres dos magistrados estabelecidos na LOMAN e no Código de Ética da Magistratura”. Na decisão, o ministro também menciona a Resolução 305/2019 do CNJ, “que estabelece os parâmetros para o uso das redes sociais pelos membros do Poder Judiciário nacional, de modo a compatibilizar o exercício da liberdade de expressão com os deveres inerentes ao cargo”. A magistrada tem 15 dias para prestar os esclarecimentos à Corregedoria Nacional de Justiça.