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Crônica: Juremir e eu

Crônica: Juremir e eu
Por Silvia Generali da Costa, psicóloga e assessora em saúde do SIMPE-RS

O cronista Juremir Machado escreve sua coluna no Jornal Correio do Povo há um bom tempo. Às vezes fala de política e, frequentemente, das questões raciais e da história rio-grandense. Nos últimos tempos, como não poderia deixar de ser, traz o tema da COVID-19, do adoecimento, do envelhecimento, da finitude e, com eles, uma inevitável nostalgia. Em algumas crônicas pude imaginar o Juremir menino, jogando bolinha de gude, passeando pelo seu bairro, já atento a cada detalhe, como o futuro cronista que hoje nos escreve.

Também entrei na onda da nostalgia, das reminiscências, perdi todo o pudor de ser tachada de obsoleta por utilizar a expressão “no meu tempo”. Sabem que no meu tempo eu ia a pé para a escola? A mochila não pesava como as de agora. Não tinha tablet, não tinha garrafinha com água mineral; não tinha lanche sofisticado, e nem se sonhava com a infinidade de cadernos coloridos, estampados e adesivados que os estudantes carregam hoje consigo.

Eu podia pisar nas poças d’água quando chovia porque eu tinha galochas. As galochas nos igualavam. Todas eram pretas, de acabamento grosseiro e sem nenhum detalhe que as distinguisse das demais. Hoje há centenas de modelos de botinhas plásticas para chuva, que indicam as preferências e o poder de compra de quem as usa.

Íamos de uniforme e não havia problema nisso. A roupa também nos igualava. Todos calçavam Congas e depois Bambas. A desigualdade social começou a dar as caras quando lançaram o Rainha e, pouco depois, o Adidas. Mas ainda assim, se não olhássemos para os pés, o restante do uniforme era idêntico.

Lembro de fazer amizades na rua mesmo, no trajeto, com aqueles que trilhavam o mesmo caminho diariamente, porque havia sujeitos de hábitos, que estavam sempre no mesmo lugar na mesma hora, numa previsibilidade que foi embora de Congas. As casas também eram as mesmas. E até sabíamos quem morava onde. Olha, essa é a casa do seu fulano, aquele dos onze filhos! Aquela é a casa da viúva do médico. A outra é a do sapateiro (outro personagem que vai desaparecendo com a passagem do tempo).

Havia uma que me assustava. Era enorme, distante da rua. Diziam que o dono era um “papa-defuntos”, expressão que na época não era considerada politicamente incorreta. Diziam que ele tinha uma família enorme que era sustentada no luxo pelos mortos. Na época, estávamos distantes da morte. Não havia COVID-19. Saudades dos tempos em que meu maior medo era passar em frente da casa onde vivia o dono da funerária!