Tribuna: Novos Tempos

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Tribuna: Novos Tempos
Por Cassiano Santos Cabral, assistente na Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude de Porto Alegre

Estamos em quarentena. Tenho feito bolos e poemas. Abro a janela - o vidro e a alma - e percorro o caminho interno dentro de mim. Passeio em lembranças. A inspiração me anima. Lembro-me dos meus afetos e navego num rio de paz e de esperança. Exercito o perdão. Estou em comunhão com todos, somos parte de uma grande família. Restam silêncios e apenas olhares que desnudam rostos atrás de máscaras. Anônimos e conectados uns aos outros pelo elo da sobrevivência e pela vidência de melhores dias. E pela força da nossa oração somos levados pela folha avermelhada. É outono. O vento e a nesga de sol aquecem a família, como um bálsamo de esperança.

Tenho brincado muito com o meu filho. E pelas suas mãos, ele passeia comigo na sua infância e me traz lindas recordações. Lembro-me da minha mãe e das mãos tão ternas da minha avó. E com meus dedos faço castelos e monto quebra-cabeças, construo pontes e uno peças de um grande jogo da vida. Moramos, sim, num castelo florido onde o riso corre solto. Escondo-me atrás dos móveis da casa para que ele me ache e é justamente no esconderijo que encontro o menino poeta brincando de novo, como se o tempo de vida percorrido fosse apenas um mero detalhe.

Dialogo com o silêncio e na tranquilidade do olhar da esposa, nele encontro o céu azul e uma noite estrelada. No almoço, ela não quis comer saladas e pediu que eu preparasse o meu melhor prato: um risoto de funghi. É dia das mães e ela me deu o melhor dos presentes sendo pai. Coloco o tempero do amor e o prato fica saboroso. E de tão gostoso, entre sorrisos e garfadas, a família se reúne ao redor da mesa. O filho quer eu faça macarrão. E entre o risoto e a massa, vejo a vida além da vidraça, e percorro os caminhos da Itália. E, mais uma vez, eu e a esposa navegamos entre canais de Veneza. Levamos ele conosco e eu o ensino algumas palavras da língua dos seus antepassados. Somos os gondoleiros da nossa existência. E, por um instante, percorro os caminhos da cidade eterna e o momento se eterniza na comunhão com os meus afetos.

E a noite, após o teletrabalho, agasalho no peito as mensagens dos amigos. Saúdo a todos os recados de carinho. Como é bom estar no ninho, entre os meus e entre os livros que escrevi embalado pelo sonho. Ligo para a mãe por que não posso vê-la e tê-la por perto. No telefone a sua voz preenche a saudade e ela me conta que o pai está melhor de saúde. Agradeço a Deus e rogo a Ele pelos meus e pelos teus. A pandemia vivida é feita de flechas e de setas. É preciso aparar as arestas e redefinir sentidos no abrigo do lar. E a esperança haverá de iluminar as sombras do medo sob a perspectiva da fé.

*A coluna Tribuna é um espaço semanal para publicação de textos e manifestações artísticas dos colegas do MPRS. O conteúdo e opiniões publicados neste espaço são de responsabilidade de seus autores.