Crônica: O Toque

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Crônica: O Toque
Por Silvia Generali da Costa, psicóloga e assessora em saúde do SIMPE-RS

A pandemia está nos impondo o isolamento social. As pessoas reclamam de não poder dar abraços, apertar as mãos e nem dar os tradicionais dois beijinhos de despedida. Os especialistas recomendam que não percamos o contato humano, que o mantenhamos através das redes sociais, das chamadas de vídeo, do zoom e de diversas tecnologias que nos permitem ver e ouvir nossos amigos e parentes.

Mesmo assim, muitas pessoas estão se sentindo deprimidas e infelizes. Um motivo? Ainda não há tecnologia (e creio que nunca haverá) que substitua o toque humano. O toque é não só agradável e prazeroso, como é necessário para uma vida saudável.

Diversos pesquisadores vêm investigando há décadas a importância das relações afetivas, do toque, e os problemas causados pelo isolamento social.

Um dos experimentos que ficou famoso foi o do psicólogo norte-americano Harry Harlow, em meados do século passado. O psicólogo isolou filhotes de macacos Rhesus de suas mães e os colocou em um ambiente com duas “mães” substitutas. Uma delas foi feita de arame e possuía uma espécie de mamadeira através da qual os filhotes podiam se alimentar. A outra, não dispunha de alimento mas a estrutura era coberta por uma toalha macia. Como resultado, observou-se que os bebês buscavam a mãe de arame somente para alimentar-se, mas ficavam o restante do tempo com a mãe de toalha.

Nas etapas seguintes do experimento, o psicólogo isolou parcialmente ou completamente os macacos, com consequências terríveis para as cobaias, como incapacidade de socializar e agressividade. Não satisfeito, o pesquisador realizou alguns experimentos nos quais as mães de toalha assustavam os filhotes e, ainda assim, eles procuravam o aconchego da toalha1. As experiências de Harlow hoje em dia não seriam aprovadas por nenhum Comitê de Ética na Ciência, mas ele conseguiu demonstrar a necessidade de afeto e de contato humano para o desenvolvimento saudável dos bebês.

Outros pesquisadores chegaram a conclusões semelhantes – felizmente através de outros métodos – relacionando inclusive carinho e afeto parentais com desenvolvimento de capacidades cognitivas2, habilidades sociais3 e até de crescimento4.

A psicanalista Regina Navarro relata uma experiência, também na década de 1950, na qual bebês humanos foram privados de toque. Eles acabaram adoecendo e vários morreram. Navarro destaca que a experiência do toque não é necessária somente nos primeiros anos do desenvolvimento humano, mas para toda a vida. “A linguagem dos sentidos, na qual podemos ser todos socializados, é capaz de ampliar nossa valorização do outro e do mundo em que vivemos, e de aprofundar nossa compreensão em relação a eles”, explica a psicóloga5. Especialistas sugerem que o toque, através da massagem por exemplo, pode até fortalecer o sistema imunológico6.

Comprovados os benefícios do toque, resta saber como proceder em período de pandemia de COVID-19.

No início da disseminação do vírus, ouvi alguns conselhos do tipo “escreva um rol de coisas que deseja fazer quando acabar a pandemia, isso o fará se sentir melhor e ter objetivos em mente”. Me parece que esta lista até pode ser feita, mas representa o perigo de desprezarmos a experiência presente. Já falei em crônicas anteriores da Psicologia Positiva e do livro A Psicologia da Felicidade, de Mihalyi Csikszentmihalyi. O que o autor destaca no texto é que não podemos viver como reféns de uma situação hipotética futura. Segundo ele, temos duas alternativas frente a uma situação desagradável: ou tentamos mudar a situação, ou tentamos mudar nossa atitude frente à situação.

Não preciso dizer que este psicólogo que já foi acusado de ser uma versão atual de Pollyanna, personagem da novela de Eleanor H. Porter(1913) que fazia “o jogo do contente” achando motivos de alegria nas piores situações. Mas não se trata de ser Pollyanna. Se trata de focar a mente no presente. Se focarmos somente no futuro, perderemos vida e experiências.

Jeferson Tenório, autor do recém lançado O Avesso da Pele, afirmou em entrevista recente ao Jornal Zero Hora7: “Queremos controlar tudo. Até o que não podemos. Acreditamos em saídas mágicas. O cerceamento da liberdade é uma violência. No entanto, não estamos presos. Estamos nos salvando. E sorte daqueles que podem se salvar. É preciso ressignificar a casa. Reconhecer nela os espaços de afetos perdidos”.

É aí que, tristes sem o toque nosso de cada dia, podemos ressignificar nossas relações. O quanto estamos próximos emocionalmente das pessoas a ponto de continuarmos nos sentindo ligados a elas mesmo sem o toque? Quem desejamos tocar e o que esperamos com este toque? Afeto? Amizade? Prazer? Costume? Salvação? Alívio? Amor?

O toque voltará e poderá ser emocionalmente mais significativo e muito mais prazeroso, mas é preciso esperar. Sempre de olhos postos no presente e nos afetos que nos unem.

Notas:
[1] https://history.uol.com.br/noticias/os-terriveis-experimentos-que-investigaram-o-amor
[2] http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-69542009000200007
[3] https://www.psicologia.pt/artigos/ver_artigo.php?codigo=A0179&area=d4&subarea
[4] https://www.huffpostbrasil.com/2016/10/31/o-toque-dos-pais-transforma-o-cerebro-do-bebe-afirma-pesquisa_n_12692490.html
[5] https://reginanavarro.blogosfera.uol.com.br/2014/02/04/ser-tocado-e-necessario
[6] https://emais.estadao.com.br/noticias/bem-estar,conheca-cinco-massagens-que-fortalecem-a-imunidade-corporal,70001924281
[7] Zero Hora, Caderno Vida, sábado e domingo, 11 e 12 de julho de 2020. Seção Bem-Estar. Matéria Alegria, Alegria. Por Que Não?, de Ticiano Osório.