Crônica: Efeitos psicológicos do teletrabalho

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Crônica: Efeitos psicológicos do teletrabalho
Por Silvia Generali da Costa, psicóloga e assessora em saúde do SIMPE-RS

Na seção de economia do Jornal Zero Hora de 01 de junho de 2020, o Professor de Comportamento Organizacional e Inovação Ali Fenwick, da Hult International Business School, afirmou que “trabalho em casa precisa de apoio psicológico, além do técnico”. Segundo os estudos de Fenwick, “...a incerteza de trabalhar de casa por longos períodos e a ansiedade relacionada a isso tendem a fazer as pessoas trabalharem mais do que deveriam, levando ao fenômeno chamado pânico no trabalho”. Para enfrentar a situação, o professor reforça algumas recomendações - já bastante difundidas - como tentar separar horário e local de trabalho do espaço e do tempo de lazer, estabelecer novas rotinas, não ficar conectado às notícias o tempo todo e manter-se em contato com as pessoas próximas por meios digitais.

O que é interessante na matéria da Zero Hora é que Fenwick vai além das recomendações individuais que, a meu ver, podem trazer ainda mais frustração e ansiedade quando o trabalhador não tem condições de executar o sugerido. Ele joga os holofotes sobre as responsabilidades das empresas na situação de trabalho remoto. Por óbvio a primeira responsabilidade está em prover infraestrutura para as atividades. Na infraestrutura estão o suporte em sistemas, o apoio na adaptação, aquisição, implantação e/ou empréstimo de hardwares e os mecanismos de segurança das informações. A segunda responsabilidade, entretanto, é a que exige maior preparo e sensibilidade de parte das organizações de trabalho. É o apoio psicológico. “Além de checar como está o trabalho, devem [os gestores] criar forte sensação de pertencimento e garantir que os funcionários se sintam validados e reconhecidos” – afirma Fenwick.

Para compreendê-lo melhor, retomemos alguns dos elementos organizacionais que afetam psicologicamente os trabalhadores. Um elemento central é a função da empresa de conexão social. Sair para trabalhar e encontrar os colegas é formar e pertencer a um grupo, interagir socialmente, trocar ideias e experiências, obter apoio e segurança. Na empresa se formam e se mantém muitas relações de amizade profundas e duradouras e quando as coisas não vão bem em casa, o trabalho serve de respiro e alívio para a ansiedade e a tristeza. A empresa também confere um senso de identidade, de fazer parte de uma causa maior, de uma missão e de colocar em prática valores relevantes para um grupo. Estar nas dependências da organização, compartilhar sua cultura, seu ambiente físico e seu ambiente psicológico reforça a identidade profissional e pessoal dos membros. A empresa também é um local de aprendizagem e de desenvolvimento. Os gestores avaliam, corrigem, oferecem feedback e ensinam. Os colegas auxiliam no processo de aprendizagem e de troca de experiências, compartilham as iniciativas bem sucedidas e as que não deram certo. É no trabalho que muitos de nós encontram a oportunidade de identificar e de desenvolver dons, habilidades e criatividade. E a organização também é o espaço no qual podemos obter aprovação, reconhecimento e incentivo. O trabalho de qualidade é visto, apreciado e incentivado. Nosso valor aumenta aos olhos da organização e dos colegas. Temos expectativa de promoção, de novos cargos e desafios.

Como fica tudo isso no trabalho remoto? Ali Fenwick indica a criação de uma estrutura organizacional que possibilite a manutenção destes laços humanos mesmo que os trabalhadores estejam fisicamente distantes. Não é suficiente disponibilizar um software e, eventualmente, um notebook, e abandonar o trabalhador à própria sorte, esquecido em sua casa, sendo lembrado apenas pelos relatórios e dados que envia.

Os trabalhadores, mesmo em casa, continuam com suas necessidades de pertencimento, trocas, afetos, aprendizagem e reconhecimento presentes. É preciso acompanhar o trabalho de cada um, oferecendo orientações e feedback, promover encontros virtuais das equipes, não poupar nas vídeo chamadas e, enfim, mostrar-se presente – ainda que não fisicamente.
Para além da gestão remota efetiva, é preciso a compreensão de que os trabalhadores estão mais ansiosos, mais deprimidos, mais assustados frente à pandemia, à incerteza e ao medo do futuro. Muitos se perguntam se o trabalho remoto persistirá após o fim da crise do Coronavírus. Ainda que o gestor não tenha estas respostas prontas, cabe a ele trocar ideias, discutir, coletar sensações e opiniões, tentar visualizar algum futuro e principalmente, conectar o planejamento institucional aos trabalhadores de ponta, indicando caminhos e possibilidades e apaziguando almas aflitas.

Nesta sexta-feira, haverá webinar com o professor Fenwick. A inscrição é gratuita. Já me inscrevi. Para se fazer suas instrição, clique aqui .