O Brasil vive os dias mais difíceis para sua recente democracia desde o fim da ditadura militar. No final de maio, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) invocou, por meio de suas redes sociais, uma “intervenção militar pontual”. As pretensões autoritárias de Bolsonaro, nunca escondidas, se aguçaram ao entrar em conflito com o Supremo Tribunal Federal (STF), diante de inquéritos que atingem seus familiares e seguidores. Além disso, com o apoio e participação do governo, avançam pelo país manifestações ilegais pedindo intervenção militar no Congresso e STF.
Diante desse cenário, a Secretaria-Geral da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados emitiu parecer esclarecendo que o artigo 142 da Constituição Federal, invocado por Bolsonaro, não autoriza uma intervenção militar a pretexto de “restaurar a ordem”. “Não existe país democrático do mundo em que o Direito tenha deixado às Forças Armadas a função de mediar conflitos entre os Poderes constitucionais ou de dar a última palavra sobre o significado do texto constitucional”, diz o documento.
O artigo 142 diz: "As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem."
Segundo o parecer, trata-se de "fraude ao texto constitucional" a interpretação de que as Forças Armadas teriam o poder de se sobrepor a “decisões de representantes eleitos pelo povo ou de quaisquer autoridades constitucionais a pretexto de ‘restaurar a ordem’". O documento ressalta, ainda, que nenhum dispositivo constitucional e legal faz referência a uma suposta atribuição das Forças Armadas para o arbitramento de conflitos entre Poderes. De acordo com o texto, nenhum trecho do artigo “faz qualquer referência à suposta atribuição das Forças Armadas para o arbitramento de conflitos entre poderes ou, ainda, para a realização de uma ‘intervenção militar constitucional’”.
“Jamais caberá ao presidente da República, nos marcos da Constituição vigente, convocar as Forças Armadas para que indiquem ao Supremo Tribunal Federal qual é a interpretação correta do texto constitucional diante de uma eventual controvérsia entre ambos”, diz o parecer. Como aponta o parecer, “eventuais conflitos entre os Poderes devem ser resolvidos pelos mecanismos de freios e contrapesos existentes no texto constitucional, ao estabelecer controles recíprocos entre os Poderes. São eles que fornecem os instrumentos necessários à resolução dos conflitos, tanto em tempos de normalidade como em situações extremadas, que ameacem a própria sobrevivência do regime democrático e da ordem constitucional”.
O relatório também afirma que, em uma democracia constitucional, “nenhuma autoridade está fora do alcance da Lei Maior”. “A autoridade de que dispõe o presidente da República é suprema em relação a todas as demais autoridades militares, mas, naturalmente, não o é em relação à ordem constitucional.” “Não há qualquer fragmento normativo no texto constitucional ou em qualquer outra parte do ordenamento jurídico brasileiro a autorizar a mediação ou mesmo a solução dos conflitos entre os Poderes da União pelas Forças Armadas. Mais: certamente as Forças Armadas não pretendem exercer tais supostas atribuições e tampouco estão aparelhadas a fazê-lo”, diz ainda o parecer.
O documento também aponta que o surgimento de conflitos e divergências entre os poderes é “natural e inevitável no regime democrático”, mas que “o mais importante é que não nos afastemos da Constituição para resolvê-los”. Por fim, o texto conclui que “eventuais conflitos entre Poderes devem ser resolvidos pelos mecanismos de freios e contrapesos existentes no texto constitucional, ao estabelecer controles recíprocos entre eles”. O parecer ainda ressalta que cabe ao Supremo Tribunal Federal a “defesa e a guarda da Constituição da República”.
Com informações da Agência Câmara de Notícias.